quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Caim e Abel por Daniel Mendelsohn

No admirável “Os desaparecidos. À procura de seis em seis milhões”, de Daniel Mendelsohn (que cita Saramago no início da parte quatro, na página 291), fala-se de Caim e Abel, nas páginas 103-104:

Composto pelos primeiros dezasseis versículos do capítulo 4 do Génesis, o conto já é familiar: como Adão conheceu Eva, que engravidou e deu à luz Caim, um acontecimento que a fez vangloriar-se: «Criei um homem com YHWH» [nota do tradutor: “Gerei um homem com o auxílio do Senhor”, Nova Bíblia dos Capuchinhos]; como depois ela deu à luz o irmão mais novo, Abel. Como, curiosamente, foi ao irmão mais novo a quem competiu a tarefa mais agradável de pastar os rebanhos, enquanto o mais velho labutava arando o solo, e como quando os irmãos fizeram as suas oferendas a Deus, os frutos da terra e o primogénito do rebanho, Deus reconheceu a oferenda do mais novo mas não a oferenda do mais velho e como isto o transformou profundamente, «de rosto abatido»”. Como Deus admoestou Caim, avisando-o de que o pecado «deitar-se-á à tua porta e andará a espreitar-te», que ele devia «dominá-lo»; e como Caim, no fim, não dominou o seu impulso pecador e em vez disso chamou o seu irmão ao campo e aí o matou. Como Deus omnisciente quis saber de Caim onde estava o seu irmão, pergunta à qual Caim deu a famosa resposta, repleta do descaramento mal-humorado que os pais de crianças culpadas tão bem conhecem: «Sou, porventura, guarda do meu irmão?» Como Deus exclama então que «o sangue de Abel clama da terra e lança a Caim a maldição de ser um vagabundo a percorrer a terra. Depois, a angústia de Caim, a expulsão, a marca sobre a sua sobrancelha.

Apesar da sua dureza arcaica, é uma história que, para quem que tenha família – pais ou irmãos, ou ambos; o que é o mesmo que dizer, para toda a gente – é assustadoramente familiar. O jovem casal, a chegada do primeiro filho; a chegada, trazendo emoções mais complexas e comprometedoras, do primeiro irmão; as sementes de uma competição obscura; a desaprovação paterna, a vergonha, as mentiras, os dolos. A violência no memento de… quê?

A partida que é tanto uma fuga como um exílio.

Daniel Mendelsohn, “Os Desaparecidos. À procura de seis em sei milhões”, Ed. D. Quixote, págs. 103-104

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