domingo, 26 de dezembro de 2010

Policarpo em entrevista do DN

D. José Policarpo, cardeal-patriarca de Lisboa, deu uma entrevista ao "Diário de Notícias". Está em três partes, aqui, aqui e aqui. Fala de Sócrates, Cavaco e outras políticas. Reproduzo o final da primeira parte, que tem mais a ver a Igreja no mundo actual, ciência e Saramago (mas deixa uma dúvida: o entrevistador, João Céu e Silva, pensa que a Igreja interpreta literalmente o episódio de Adão e Eva?):


A Igreja Católica sobreviveu dois milénios. Acha que em 2100, com as mudanças que estão a acontecer no mundo, ainda terá o mesmo perfil de instituição?

Há coisas perenes na Igreja que, se não deixar de existir, não mudam. Uma delas é a fé e a sequência comportamental desse sentimento, a que chamamos moral. Depois, há a estrutura apostólica, que é o baluarte e a solidez que hoje se exprime pelos bispos. Isso não muda, mesmo que se alterem pequenas formas de ser. No que se refere à adaptação ao tempo, é próprio da Igreja moldar-se às mais variadas circunstâncias sociais.

O desenvolvimento muito grande das neurociências não vai desfazendo a crença?

Só a dos que tinham pouca fé. As ciências, por mais avançadas que sejam, ainda não inventaram nada. O que têm feito é descobrir o que Deus criou!

A Igreja resistiu ao fim da missa em latim mas se, entre outras, a imagem bíblica de Adão e Eva for desconstruída o que acontecerá aos fiéis?

Em Roma ainda se fala latim! No que respeita a outras mudanças, se elas se derem, a Igreja resiste com certeza. Já passámos há muito tempo a fase de ler a Bíblia literalmente como se lê um jornal. Todos sabem que na Bíblia a verdade é sugerida e não é descrita. Tem estilos literários, tem uma simbólica riquíssima e é preciso compreender a ancestralidade daquelas culturas. Há uma coisa que na nossa cultura ocidental temos vindo a perder progressivamente, que é o valor do símbolo e da simbólica. E curiosamente somos obrigados a redescobri-la agora com a profusão da linguagem informática. Estive recentemente em Roma para o Conselho Pontifício para a cultura, que foi sobre as nossas linguagens, e vim de lá um pouco assustado.

Assustado com o quê?

Com os panoramas a médio e longo prazo do que será o mundo. Uma das coisas de que me apercebi foi que a linguagem que está a nascer é quase a reinvenção da escrita, daquele momento em que a humanidade transformou o dizer, o pensar e a fala em símbolos escritos. No Ocidente, perdemos muito o valor do símbolo, talvez devido à exactidão da ciência e da técnica e ao pragmatismo do racionalismo que invadiu a nossa cultura. Hoje, só os poetas é que ainda se vão safando com a simbólica... Ora é impossível ler a Bíblia sem ter uma estrutura simbólica. Eu não preciso de acabar com o Adão e a Eva porque, se eu não interpretar os capítulos primeiros do Génesis à letra, o Adão e a Eva não me incomodam nada, pelo contrário, têm uma riqueza de sugestão simbólica enorme. Às vezes há uma certa precipitação em pensar que podem substituir-se. Podem experimentar, mas não creio que seja fácil.

Acha que Deus perdoou a Saramago o livro Caim e as críticas ao Antigo Testamento?

Que Deus estaria disposto a perdoar Saramago, não tenho dúvidas nenhumas! Não sei é se o Saramago quis esse perdão. Eu fui um leitor assíduo de José Saramago e até admirador. Os grandes livros dele, eu li-os todos.

Inclusive o Evangelho?

Exactamente. Mas aí começa um bocado a sua decadência, é o livro que marca o fim daquela genica do José Saramago. O Caim, francamente, é um livro decadente, e acho que o deviam ter aconselhado a não o publicar.

Do resto da obra, o que é que acha?

É um autor raro, porque introduziu um estilo e lê-se com muito agrado. Aliava muito bem a objectividade da investigação histórica à ousadia do estilo. Há quem não aprecie, mas eu gosto de José Saramago.

E o Alcorão, já leu?

Li, claro.

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