segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A imagem da Igreja e a questão da verdade


Timothy Dolan, arcebispo de Nova Iorque desde 2009, está preocupado com a queda da participação na missa dominical nos Estados Unidos. Num artigo da revista católica britânica “The Tablet”, afirma-se a este propósito (tive de ir ver o que significa “pernósticos” – algo como “pretensiosos”):
O arcebispo Dolan é demasiado cônscio da medida na qual a imagem atual da Igreja não consegue mais corresponder a estes ideais. Uma Igreja que repetidamente faliu na proteção de seus membros mais vulneráveis contra os abusos sexuais da parte dos próprios padres, ou que às vezes parece apresentar-se como um severo mestre vitoriano na ação de admoestar uma classe de maus alunos, ou ainda como um lobby que se apressa em proteger os próprios privilégios, antes do que um organismo a serviço do bem comum, não parece, pois, ser muito semelhante à face de Cristo. Num discurso iluminante, o arcebispo Dolan recordou à Conferência Episcopal dos Estados Unidos, da qual é presidente, que a Igreja não deve ser considerada um “carroção embaraçoso, um clube de pernósticos fora de moda, agravado por um aparato burocrático de cunho medieval, capaz de lançar sobre a humanidade uma série de regras incríveis baseadas em pura fantasia, e mesmo um dos tantos movimentos carregados de litigiosidade e opiniões contrastantes”.
Este diagnóstico já seria suficiente para pensar e repensar a Igreja. Ou pensarmo-nos como católicos, que é o mesmo. Segundo o mesmo artigo, que pode ser lido aqui, também os bispos de Inglaterra e Gales estão preocupados e dizem que é preciso “vermos a nós mesmos como nos vêem os outros”. Estão mesmo dispostos a ouvirem o que os outros têm a dizer? E o articulista acrescenta:
Para dizê-lo brevemente, quando a gente olha um bispo católico, o representante mais em vista da Igreja local, vê nele Cristo batido até o sangue, ridicularizado, amaldiçoado, profanado, ou o vê como o chefe de «um sistema de organização de atividades que necessitam de uma oportuna renovação», para citar o arcebispo Dolan?
Pergunta dolorosa esta. Qualquer cristão que lhe responda põe-se em causa. O arcebispo nova-iorquino afirmou também: “Talvez, irmãos, o nosso desafio pastoral mais urgente seja hoje o de reafirmar a verdade, para atualizar o brilho, a credibilidade e a beleza da Igreja «sempre antiga e sempre nova», e inovarmos sua face que é a de Jesus, assim como Ele é a face de Deus”. Este desafio é mais exequível e não menos exigente. Há algumas perguntas sobre a verdade a que a Igreja não responde. A sua credibilidade passa por aí, mas se alguém levanta estas perguntas é tido em certos contextos como insurrecto ou querendo romper a comunhão (“comunhão”, nesses contextos, é um eufemismo para obediência):

- A verdade dos impedimentos para ordenar mulheres (que não sei onde estão).
- A verdade sobre a disciplina do celibato, que é incoerente (eu diria falsa enquanto não for opção individual), por exemplo, ao admitir padres ex-anglicanos e católicos do rito oriental casados.
- A verdade da pobreza proclamada mas não vivida.
- A verdade do perdão por enquanto impossível para os recasados.
-  A verdade do poder à maneira evangélica versus a do mundo (e mesmo este, se democrático, por vezes é mais evangélico do que o poder eclesial).
- A verdade da moral sexual.
- A verdade da prática sacramental mais alicerçada em tradições do que na liberdade individual.

Enquanto não se responder a isto, como poderemos desejar ser credíveis aos olhos dos outros? Nem aos nossos.

15 comentários:

Anónimo disse...

Pura verdade. Há muita ambição pelo poder e pouca humildade e serviço.

Anónimo disse...

Pouca ambição pelo poder mediatizada, e muito serviço perto dos mais humildes e pobres que passa nas sombras das luzes da ribalta. A verdade encontra-se num espelho...

paulo disse...

Concordo. Por quanto mais tempo os Bispos fugirão de encarar a realidade? E o que podemos nós fazer?

Anónimo disse...

É só frustrações na maior parte dos textos deste blogue.

Anónimo disse...

Há muita hipocrisia, maldade e cinismo na igreja-instituição. O verdadeiro Deus tem de ser outro.

Anónimo disse...

Quem ler os comentários dá a impressão que no mundo dos leigos é só santidade...

Anónimo disse...

A pouca ambição pelo poder que há na Igeja é mediatizada e propagada aos quatro ventos, até mesmo por cristãos/católicos que nada fazem pela Igreja que não seja serem levados pelos tempos dos ataques para não se proporem a si mesmo o radical controlo e amor que Jesus pregou, e o muito serviço que é feito e apoiado pela Igreja perto dos mais humildes e pobres fica sempre longe dos comentários dos infelizes libertinos que a este serviço não se chegam perto, assim passa nas sombras das luzes da ribalta. A verdade encontra-se num espelho, se não ves a palha no teu olho, como podes andar a criticar a IGREJA e o Vaticano. Preocupa-te em fazeres o que deves daquilo que compreendes a que Deus te chama, e não te preocupes com o que os outros, mesmo o Papa faz, pois não vai ser pelo que ele fez, ou não fez, que um dia serás julgado, mas pelas oportunidades que tiveste em ajudar Jesus nos mais pequeninos.

Jorge Pires Ferreira disse...

"Um dia serás julgado, mas pelas oportunidades que tiveste em ajudar Jesus nos mais pequeninos", disse o último anónimo. Também acredito nisso. Conversemos mais com os pequeninos e perceberemos como são afectados pelas questões que enumerei sobre a nossa (eclesial) dificuldade em aceitar a verdade ou em querer estar a caminho para a reconhecer. Razão tem o Papa que chamou à encíclica "A caridade na verdade", tão ao arrepio daquele chavão eclesial da "verdade na caridade", que é uma forma de vitimizar a verdade à custa das costas largas da caridade. Concordo com Bento XVI. O amor é o que importa. Mas não pode ser exercido sem a base rigorosa da verdade (é ler o resto da encíclica). E isso dói, porque obriga a dialogar, a discutir, a ouvir o outro... Coisas que custam, também a quem me comenta neste blogue, suponho, pelo teor dos comentários.

HD disse...

O Espirito Santo, a "refrescar" de sabedoria, as palavras deste Bispo!

Clarividência?!

O que nos afunda na Igreja Instituição é o comportamento idêntico, ao dos partidos comunistas na iminência da queda do blocos comunistas...pós muro de Berlim.
Os ideólogos comunistas acusavam na altura os partidários, de falta de fidelidade ao projecto ideológico, pois esse estava certo! A nomenclatura não queria ver a realidade ....parecia ser um problema dos homens…mas o tempo demonstrou o contrário!
È de uma tristeza profunda ver alguns sectores da ortodoxia Católica apoiantes do status quo teológico imobilista , a quererem defender um “edifício” que no final qualquer homem de boa vontade e de Fé , vê que está em derrocada em alguns alicerces em ruina.
Não são os católicos crentes, que por falta de fidelidade colocam em causa a Igreja instituição.
Não é o Evangelho que está falido. É a visão da Igreja Instituição, que em tantos momentos é de uma falta de coerência atroz.
É há Luz da Fé que demonstra que esta Instituição está distante e cheia de contradições do modelo de exemplo e carisma de Jesus Cristo.
No dia em que a Igreja for simples em recursos materiais, será que muito do seu clero, aceitará viver com simplicidade evangélica?
Questões chave:
Se Jesus estivesse aqui de novo, em carne e osso, faria:
-Distinção de género? Acharia o celibato obrigatório natural? Não expulsaria mais uns vendilhões do templo? Não daria a comunhão a um católico convictamente praticante, mas divorciado? Renegava o sexo, pois é obra do demo? Aceitaria pactuar calando, a injustiça? Etc,Etc
Temos que agir claro como católicos ou ninguém nos leva sério.
Enquanto a Igreja Instituição, não se fizer ela própria SANTA, cada vez será menos sinal no Mundo.
A Ressurreição reformará esta Igreja e tenhamos Esperança em tudo o que surgir, pois Ele providencia! Os ventos do Espirito Santo correm por ai, com cada vez mais força!
HDias

Anónimo disse...

Realmente este site é uma tribo...

Jorge Pires Ferreira disse...

Ao último comentador que diz que "realmente este site é uma tribo..." digo que sim, é uma tribo.

Tribo é diferente de povo, ajuntamento, mas aproxima-se de comunidade, qahal.

Queria que fosse "Escada de Jacob", mas o nome já estava tomado. Andava a ler o livro "Tribos", de Seth Godin, e pareceu-me que embora tribo tenha conotações com clube e grupo fechado, uma tribo é algo que implica quem a frequenta, não é inócua, espero que não deixe ninguém indiferente.

O meu objectivo, porém, não é ter seguidores, muito menos fiéis. É uma tribo entre milhares, mas não é minha, é de Jacob, judaico-cristã. Uma tribo que frequento.

Se diz que é tribo em sentido pejorativo, não gosto. Não estamos em tempo de indiferenças, pelo que quem comenta acaba por revelar-se. Uns gostam, outros não. Não há maneira de não viver com isso. Ainda bem.

Anónimo disse...

Não cola a de não querer ter seguidores. Quem ler o site na maior parte dos textos percebe o porquê da "crítica" permanente ao clero. Não é preciso ser muito inteligente para compreender a postura do autor.

HD disse...

Também os discipulos de Cristo, eram oriundos de varias familias, formaram uma "tribo"... que não se refugiava no anonimato...e incomodou muito alguns "funcionários do templo"... Que este espaço plural continue a obrigar-nos a pensar e reflectir a Fé,para melhor agirmos como "povo de Deus" e fazer a diferença positiva no Mundo.Bem haja! HDias

Anónimo disse...

Eu sou um seguidor deste blog e das opiniões e novidades que aqui são apresentadas pelo autor, mesmo que não concorde com algumas das opiniões, mas sempre interessado nas novidades, como por exemplo o novo livro que apresentou. Sou discipulo de Jesus, com quem tento aprender a viver e amar, mas mesmo assim não concordo com tudo o que Ele dizia e é me dificil seguir-Lo. Seguir tem muito de admiração por alguem que reconhecemos saber mais do que nós, com quem podemos aprender a dialogar, e não no sentido negativo que tenta implicar o comentário da "cola" de seguidores cegos, surdos e mudos. Talvez lhe falte a inteligência emocional para com compaixão perceber esta Tribo.

maria disse...

Cruzei a leitura destes comentários com este texto que recomendo:

http://thmlis.blogspot.com/2011/11/1619-fazer-frente-tudo-isto-com-gente.html

Só há doze bispos no mundo. São todos homens e judeus

No início de novembro este meu texto foi publicado na Ecclesia. Do meu ponto de vista, esta é a questão mais importante que a Igreja tem de ...