terça-feira, 27 de dezembro de 2011

"Vivemos na primeira civilização ateia", diz Vaclav Havel



“Vivemos na primeira civilização ateia, por outras palavras, numa civilização que perdeu a conexão com o infinito e a eternidade”, disse Vaclav Havel (1936-2011) na abertura da 14.ª Conferência do Forum 2000, em Praga, e repetiu uma série de vezes, como recordou Jorge Almeida Fernandes, num artigo do “Público” no sábado passado, a propósito da morte do estadista checo (18-12-2011).

Quando li estas palavras, pensei que se referia à realidade checa. O seu país é o que tem maior número de ateus na Europa – facto abundantemente recordado a quando da visita de Bento XVI à República Checa, em Setembro de 2009. Mas Havel pretendeu abarcar a realidade europeia e mesmo mundial. Disse em 2007 ao “Nouvel Observateur” (em relação a Vaclav Havel cito sempre o mesmo texto do “Público” de 24-12-2011) que a sua grande preocupação não era o terrorismo: “É a dinâmica suicidária da evolução da nossa civilização planetária”. Neste sentido geográfico, o checo concordaria com Marcel Gauchet, que afirmou em 2004 que o séc. XXI se anunciava como “o século da marginalização social e política do cristianismo”. Isso já acontece na Europa, a qual, diz o francês, “neste ponto, anuncia o futuro”.

Porquê “dinâmica suicidária”? Havel: “É como se estivesse obstinada em perseguir objectivos de curto prazo, quando a sorte do planeta exige um mais agudo e voluntário sentido de antecipação”. E ainda: “Pela primeira vez na História, assistimos ao desenvolvimento de uma civilização deliberadamente ateia. Deve alarmar-nos”. Noutro momento afirmou: “A transcendência é a única alternativa à extinção”. Esta frase não anda longe de outra de Remi Brague à revista católica “30 Giorni”: “O ateísmo não mata os homens, mas impede que eles nasçam”. Sociedade sem horizontes de futuro, principalmente meta-histórico, transcendência, não se reproduzem. Outra vez Havel: “O Ocidente democrático perdeu a capacidade de proteger e cultivar os valores que não cessa de reclamar como seus. (…) O pragmatismo dos políticos que querem ganhar eleições futuras, reconhecendo a vontade e os humores duma caprichosa sociedade de consumo, impede esses mesmos políticos de assumirem a dimensão moral, metafísica e trágica da sua própria linha de acção. (…) Uma nova divindade tende a suplantar o respeito pelo horizonte metafísico da vida humana: o ideal de uma produção e de um consumo incessantemente crescentes”.

Havel não se considerava crente – “sou apenas meio crente” –, mas estava convencido de que “há um ser, uma força velada por um manto de mistério”. “É o mistério que me fascina”.

Novamente Gauchet, que é agnóstico, para terminar, não sobre a sociedade, mas sobre a democracia numa sociedade pós-cristã: “O que ameaça a democracia, hoje, é o vazio, a futilidade, o esquecimento, a facilidade, o curto prazo, a superficialidade. As religiões e o cristianismo, em particular, têm o sentido do essencial, do trágico, do mistério da aventura humana, todas as coisas que a democracia facilmente ignora. Elas podem ser decisivas para a democracia”.

1 comentário:

Anónimo disse...

Quem vai a Praga sente e sentia um carinho por este que faleceu. As populações gostavam e admiravam Vaclav. Já não se pode dizer o mesmo do actual. Segundo muitos relatos este que faleceu era muito próximo da Igreja Católica e João Paulo II. Paz à sua alma que de deixou um legado enorme.

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