terça-feira, 27 de março de 2012

Dante e Giotto: Duplo retrato de Francisco de Assis



Saiu em Itália um livro sobre Francisco de Assis a partir das imagens (pintadas e escritas) que dele fazem Giotto e Dante: “Doppio ritratto. San Francesco in Dante e Giotto” [“Duplo retrato. São Francisco em Dante e Giotto”] (Ed. Adelphi, 86 páginas), do político e filósofo Massimo Cacciari (em baixo).


O texto que Pierluigi Panza escreveu no Corriere della Sera (22-03-2012) a propósito deste livro é muito elucidativo sobre como diferem as interpretações sobre alguém que deixa um legado inconfundível. Vem mesmo a calhar, quando por estes dias andou por aqui uma discussão sobre santos e santidade, entre o uniformismo e a autoridade, de um lado, e a pluralidade e subjetividade, do outro. Eu continuo pelo outro.

O texto de Pierluigi Panza (ler tudo aqui):
Giotto e Dante são ambos católicos, nascidos cerca de 40 anos depois da morte do Santo (1226). E o fato de se ocuparem de Francisco já é um testemunho de como a figura do santo era percebida como coesa pela Igreja. Mas os dois artesãos não conseguem dar razão totalmente ao "crucificado de Assis", porque a sua força é muito vasta: ambos o traduzem e o traem.

Giotto representa Francisco nos afrescos da Basílica Superior de Assis, referindo-se à Legenda Maior de Boaventura de Bagnoregio, e, em Florença, na Capela Bardi de Santa Cruz. Dante o coloca nos Céu dos espíritos sábios (Paraíso, Canto XI) e confia a ele o elogio a São Tomás de Aquino.

"A visão giottesca parece ser mais ingênua e nova; na realidade, é uma operação política precisa", destaca Cacciari. No ciclo de afrescos da Basílica Superior de Assis, de fato, falta o encontro de Francisco com os leprosos, o dom dos estigmas, e a cena do manto doado ao pobre é adoçada, parece uma troca entre cavaleiros. O episódio da morte também não mostra Francisco nu sobre a terra nua da Porciúncula. "Em síntese, uma representação homogênea com as exigências do primeiro papa franciscano (Nicolau IV): Francisco está em perfeita harmonia com a Igreja e se inclina a ela".

Em Dante, a perspectiva é diferente. Francisco é o alter Christus, que recebe os estigmas no Monte Alverne. Não se prostra, mas submete realmente ao papa a sua Regra. Não faz milagres, mas é o serafim de uma religião quase solar ("não diga Assis, que pouco e mal diria / Mas diga Oriente, por melhor falar"). Em Dante, Francisco está em guerra com as forças que transformaram o sólio de Pedro em uma Babilônia e morre pobre e nu como um "profeta" de uma nova ordem. Na Comédia, ele é tratado ao lado de São Domingos, porque Dante busca no cristianismo uma concórdia de opostos e aprecia tanto a força regeneradora da pobreza, quanto a da sabedoria dominicana.

Mas a preferência do poeta é por Francisco e pela sua loucura profética, embora nem Dante nem Giotto parecem compreender até as extremas consequências a força da revolução da pobreza: "Pobreza é a violência de quem quer o Reino. Somente o pobre é verdadeiramente poderoso", escreve Cacciari. Francisco vive um "esvaziamento de si mesmo" semelhante ao desejado por Deus para criar o universo.

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