sábado, 19 de outubro de 2013

Anselmo Borges "Ateísmo, agnosticismo, teísmo"

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje:


A modernidade tem como característica fundamental a nova visão científica da realidade. A problemática é de tal modo decisiva que o filósofo e teólogo Javier Monserrat advoga a convocação de um Concílio para confrontar a fé com esse novo dado - ver "Hacia el Nuevo Concilio", de onde partem as reflexões que se seguem.

Alguns resultados estão alcançados. 1. Para a ciência actual, o universo todo, incluindo a consciência, "produziu-se pelas propriedades ontológicas e dinâmicas da matéria que foi produzida no big bang com altíssima densidade e energia". 2. Estamos em presença de um mundo real e aberto. 3. Este mundo aparece-nos ordenado finalisticamente. Trata-se de uma "ordem viva" e "ordem antrópica". De qualquer modo, apresenta-se como um mundo enigmático, sendo possíveis três conjecturas metafísicas: ateísmo, agnosticismo, teísmo.

Os autores ateus "mostraram que entender a consistência eterna de um universo sem Deus é possível". A ciência pode, segundo algumas teorias, conceber a auto-suficência do universo, "a sua consistência e estabilidade dinâmica num tempo eterno, sem fim".

Perante a impossibilidade de a ciência resolver com certeza as questões últimas, de ordem metafísica, o agnosticismo assume a ausência de resposta: trata-se de "um incompromisso filosófico". Respeita tanto o ateísmo como o teísmo. Provavelmente a percentagem de agnósticos é hoje muito mais elevada do que a dos ateus.

O ateísmo não pode ser excluído como "teoria possível". Mas o ateísmo não é evidente. Se o fosse, não haveria teístas, do mesmo modo que, se o teísmo fosse uma evidência, não haveria ateus. Perante um mundo obscuro e enigmático, tanto o ateísmo como o teísmo constituem uma "fé filosófica", uma "crença".

Também o teísmo apresenta razões para argumentar a favor da existência de Deus. Já não se trata de "demonstrar", mas de mostrar que a razão científico-filosófica torna verosímil a existência de Deus: "uma certeza moral livre da existência de Deus". 1. A hipótese de um Deus transcendente e criador enquanto fundamento da consistência, estabilidade e suficiência de "um universo que começa no tempo (a grande explosão) e que previsivelmente acabará numa morte energética e na sua dissolução final" surge como a mais verosímil. É defensável a hipótese de que "o fundamento do ser, a verdadeira realidade auto-suficente em si mesma e eterna, seja um ser divino transcendente que - com intencionalidade - "cria", "funda" o universo visível no seu fluir temporal finito". 2. O universo que autonomamente produziu a ordem física e biológica, conducente à liberdade, torna verosímil um desígnio racional de Deus enquanto criador. O teísmo actual não aceita o Deus tapa-buracos, mas, precisamente ao reflectir sobre a ordem "quase-racional" constatável, e, portanto, sobre as propriedades da matéria e as leis evolutivas que permitem produzir autonomamamente a ordem psicobiofísica e a sua orientação antrópica - porquê estas propriedades e leis e não outras? - ,constata que esta ordem, congruente com um fim inteligível, "torna verosímil a hipótese de que poderia estar causada pelo "desígnio" racional de uma Inteligência Criadora." 3. Esta verosimilhança é confirmada e aprofundada, quando se constata que o processo evolutivo dá origem no seu termo a seres humanos enquanto pessoas autoconscientes e livres. Não é mais razoável e inteligível o processo, se na sua raiz e como sua Causa está o Deus transcendente e pessoal, que cria livremente por amor? O teísmo actual "assumiria a superação do dualismo e identificar-se-ia com a lógica do emergentismo, incluindo a emergência do psiquismo humano, da razão e da sua especial abertura à Divindade", "que abarca o universo e o contém criativamente no seu interior". Este universo é um "universo para a liberdade", a partir de um "desígnio para a liberdade" e, portanto, do "princípio antrópico cristão", embora não se imponha como inevitável a "solução divina".

Tanto o ateísmo como o teísmo têm na base uma crença ou uma fé, com razões, devendo, portanto, ateus, agnósticos e teístas respeitar-se e dialogar.

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